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segunda-feira, 2 de novembro de 2015

HISTÓRIA/GEOGRAFIA - AÇÚCAR: O OURO BRANCO - 03

Açúcar - 03

AÇÚCAR: O OURO BRANCO

O alimento que mais seduz a humanidade é também aquele que agregou tanto valor em determinadas épocas da história que chegou a ser conhecido como “ouro branco” e era guardado em cofres. De consumo reduzido até o final da Idade Média, a partir de sua principal matriz, a cana de açúcar, os doces sabores do açúcar tornaram-se populares a partir da ação dos portugueses em suas colônias do Atlântico, em especial em virtude do plantio desse produto no Brasil. Nesse artigo pretendemos desvendar os caminhos árduos percorridos pelo açúcar, de produto restrito ao uso e consumo das elites da Antiguidade e do Medievo até o momento presente, em que se encontra disseminado pelos quatro cantos do mundo.
O imenso “interior” dos sertões, fazendas, engenhos, lavouras, jamais ignorou doces e bolos nos dias festivos mesmo no isolamento das paragens longínquas ao litoral, onde havia a pancada do mar.
Fora herança portuguesa, viva na “terra do açúcar”, essa constante obstinada, fiel à ciência de bolos velhos e dos avoengos, receitas lusitanas agora utilizando os frutos da região tropical. (CASCUDO, 2004)
Em clássico filme do diretor Gillo Pontecorvo, realizado na década de 1960, Marlon Brando é um representante do governo britânico que tenta motivar a população local a se levantar contra o domínio português sobre a localidade. A produção cinematográfica em questão é Queimada, considerado um dos mais expressivos e importantes filmes políticos de todos os tempos.
Através desse filme retrata-se a luta por uma liberdade que não se efetiva nem mesmo depois da expulsão do colonizador português, já que a opressão deixa de ser política e se torna econômica transitando da esfera lusa para a inglesa. A despeito da trama central, que evidencia o pernicioso jogo político colonial e comercial envolvendo as possessões européias no continente americano, percebe-se que é o açúcar o principal mobilizador dessa intensa sede por riquezas da Inglaterra e de outras nações colonialistas européias.
Gênero de origens declaradamente tropicais, esse produto alimentar obtido a partir da cana de açúcar e da beterraba, utilizado para adoçar bebidas e alimentos, era tão valioso que motivou guerras, foi oferecido como parte do dote de moças casadoiras, era guardado em cofres e foi, durante muito tempo, identificado pela alcunha de ouro branco.
Originário do extremo oriente, mais precisamente da Índia e da China, a utilização do açúcar entre esses povos é milenar. As lendas relativas ao uso e produção do açúcar por indianos e chineses remontam a períodos longínquos em que os europeus nem ao menos desconfiavam que existisse um produto capaz de adoçar seus pratos que não fossem o mel ou as frutas.
Muito antes de sua chegada ao Velho Mundo, o açúcar teve uma fortuita e bem-sucedida estadia entre os povos árabes. Foram justamente os mouros, através do comércio que se estabeleceu a partir da Baixa Idade Média (séculos XII a XV), logo depois das cruzadas, que passaram a fornecer o “ouro branco” aos europeus.
A transposição do açúcar da Índia e da China para a Ásia Menor, como era conhecida a região que hoje vive à custa do petróleo encontrado em seu subsolo, teria ocorrido a partir da entrada de Dario, rei da Pérsia, por volta de 510 a.C. no vale do rio Indo. Nessa viagem o soberano persa teria conhecido essa especiaria de sabor tão especial, derivada da cana de açúcar. Encantado com suas possibilidades, Dario resolveu levar as técnicas de cultivo e obtenção do produto para seu reino. Guardou o segredo a sete chaves e não permitiu que esse conhecimento fosse repassado para outros povos.
Pouco tempo depois, já no século IV a.C., Alexandre Magno também se apropriou daquela planta de onde se extraíam os doces cristais obtidos a partir do suco da cana. É a partir de sua incursão por aquelas terras distantes que o açúcar é introduzido, de forma tímida e pouco expressiva, em algumas regiões da bacia mediterrânica européia e também no continente africano.
Foram, no entanto, as guerras religiosas promovidas pelos cristãos europeus contra os mulçumanos árabes que levaram a popularização do açúcar em terras européias. Ao lado de outras especiarias como o cravo, a canela, o gengibre e outros produtos, os doces encantos do zucchero (açúcar em espanhol) não apenas seduziram por suas possibilidades gastronômicas como também pelo fato de suas qualidades enquanto conservante e medicamento.
O único produto doce que aparece nos registros (da aristocracia européia no século XII) é o mel, entrando na composição de alguns cardápios da rainha. Quanto ao açúcar, produto de luxo, de origem mulçumana, ainda era usado raramente nessa época: a primeira compra de que se tem registro, feita pelo conde de Barcelona em Manresa, data de 1181. (RIERA-MELIS, 1998)
Isso não se aplica somente a esse produto. As especiarias em geral tiveram grande acolhimento entre os europeus justamente pelo fato de serem associadas à cura de certas doenças, a possibilidade de manter alimentos em condição de consumo durante períodos de tempo mais prolongados e, como parte de suas “tradições” gastronômicas. A substituição do mel pelo forasteiro proveniente das Arábias foi gradual, mas rápida e constante se a compararmos aos outros produtos que adentraram a Europa em virtude da expansão marítima.
Também deve ficar claro que a utilização do açúcar não foi disseminada da mesma forma entre os diversos povos que habitavam a Europa. Produtores (como os portugueses) e distribuidores (como os italianos ou os holandeses) se apoderaram dessa impressionante riqueza algum tempo antes dos demais e, por esse motivo, fizeram com que o sugar (açúcar em inglês) fosse comum em suas cozinhas já a partir do século XV.
No fim do século XV, o gosto pelo açúcar acarreta a criação de novos pratos, destinados, antes de tudo a satisfazê-lo. Nos banquetes oferecidos na corte de Carlos VII, cujos cardápios foram anexados ao editio princeps do Viandier, figuram na mesma refeição, como “pratos de mesa”, cerejas com açúcar, seguidas de “pâtés à cheminée au sucre” no primeiro serviço, pombos com açúcar e vinagre, tortas com açúcar, e “tremolettes” também com açúcar.
(LAURIOUX, 1998)
Os demais povos da Europa, enquanto importadores, ficavam na dependência da oferta do produto no mercado e dos preços dessa valiosa especiaria nas bancas que as comercializavam. Isso restringia o consumo às classes sociais mais abastadas e, consequentemente, tornava o açúcar um produto elitizado.
A elitização do açúcar vai, aos poucos, cedendo lugar a popularização dessa mercadoria nos centros urbanos europeus a partir do momento em que se estabelecem grandes centros de produção nas regiões tropicais do planeta, particularmente nas Américas e na África. A consolidação da produção açucareira no Brasil (colônia portuguesa), a partir dos engenhos estabelecidos principalmente no Nordeste do país, ajuda a aumentar a oferta de açúcar na Europa e, aos poucos, motiva a queda dos preços.
No decorrer do século XVI o açúcar ocupou um espaço cada vez mais importante entre os produtos exóticos vendidos pelos “épiciers”. “O açúcar, que antes só era encontrado nos boticários que o reservavam para quem estivesse doente, hoje é devorado por gulodice”, escreveu Ortelius em 1572, acrescentando: “O que outrora servia como medicamento, no presente serve-nos de alimento”. (LEMPS, 1998)
O aparecimento de novos produtores nas Américas e no continente africano acirra a concorrência e aumenta ainda mais a ocorrência dessa mercadoria nos principais centros consumidores do mundo moderno. Isso leva, inclusive, a crise da lavoura canavieira no Brasil durante o século XVII, especialmente a partir das invasões holandesas e da conseqüente expulsão do invasor batavo da Bahia e de Pernambuco até a metade do referido século.
Independentemente disso, o Brasil não se torna apenas um referencial no que tange a produção do açúcar, mas também na utilização desse doce produto na produção de seus próprios pratos típicos, nesse caso específico, na composição de suas famosas sobremesas. O encanto pelos doces nacionais serve de inspiração, por exemplo, para um estudo sociológico do açúcar por um dos mais respeitados e conceituados pesquisadores brasileiros, Gilberto Freyre.
A obra Açúcar, de Freyre, revela receitas tradicionais da doçaria nordestina brasileira e, ao mesmo tempo, transforma o alimento em assunto sério, digno da academia e da prosa de cientistas sociais e historiadores numa época em que poucos se atreveriam a pensar dessa forma. Nessa obra, o sociólogo pernambucano chega mesmo a lançar a idéia de que nosso país não deveria se chamar Brasil, em referência a madeira inicialmente explorada em nossas terras pelos colonos portugueses, mas sim Açúcar, a principal riqueza a movimentar esse país-continente até muito recentemente.
O açúcar assim produzido logo superou, em importância, a madeira de tinta que vinha dando valor econômico ao Brasil na Europa; e que já lhe dera o próprio nome: Brasil. O açúcar passou a dar renome ao chamado Brasil. Mais do que nome: renome. O Brasil, terra do açúcar, tornou-se mais famoso que o Brasil, terra de madeira de tinta. Mais famoso, mais importante e mais sedutor: no açúcar estava uma fonte de riqueza quase igual ao ouro. (FREYRE, 1997)
O açúcar, para o brasileiro e para o português que aqui vivia, “embriagava muito mais que o vinho”, nos dizeres de Luís da Câmara Cascudo, sem sua célebre obra História da Alimentação no Brasil. A partir dessa matéria-prima de valor incalculável para a humanidade criavamse “obras primas” da gastronomia que “duravam um minuto de júbilo na verificação do incomparável sabor” conforme dizeres da época colonial brasileira levantados por Cascudo.
Juntava-se o açúcar a farinha de trigo, ovos, frutas e outros adendos para que se compusessem bolos, tortas, cremes, pavês e tantas outras delícias nas cozinhas locais e nas festas e quermesses de caráter público que o açúcar já não era apenas um aditivo, um complemento alimentar, e sim, um alimento básico, de primeira necessidade entre os que aqui viviam.
A tradicional e rica doçaria portuguesa havia encontrado em terras brasileiras o eldorado justamente pelas amplas possibilidades de plantio desse “ouro branco”.
A transposição das distâncias trouxe as receitas nas embarcações que cruzavam o Atlântico e a necessidade de adaptação a novas circunstâncias e realidades para as cozinheiras que aqui se estabeleciam.
Não existiam alguns produtos e, em virtude da inexistência de certos itens básicos para a produção das receitas em suas fórmulas originais, ocorria à substituição por gêneros locais, tropicais. Essa necessidade acabou gerando a criação de uma gastronomia brasileira e, também, evidentemente, de uma doçaria tupiniquim.
Essa histórica adoção das doces tradições lusitanas permaneceu e evoluiu, como dissemos, para o surgimento de uma rica e portentosa produção brasileira de confeitos. Além disso, registra-se a partir da contemporaneidade uma regularidade de consumo muito maior de açúcar não apenas entre os brasileiros, mas em todo o mundo. A quantidade de açúcar consumido per capita aumenta para 20, 30 ou até 40 kg por pessoa anualmente, variando nesses números de um país para o outro.
A produção mundial não apenas acompanha esse crescimento como se mantêm acima dos patamares de compra e consumo mantendo os preços sempre numa margem acessível para o consumidor. Pessoas de todas as camadas sociais passam a adquirir regularmente o açúcar que, além dos doces, ganha grande impulso por ser o adoçante das bebidas coloniais, os chás, o café e o chocolate.
A virada para o século XX consolida a ascensão norte-americana ao posto de maior potência mundial e estabelece um amplo, sólido e voraz mercado consumidor que aumenta ainda mais a demanda por diversos tipos de produtos agrícolas, entre os quais se destaca o açúcar, que passa a ser considerado indispensável. Além dos Estados Unidos, a Europa e o Japão, países ricos do hemisfério norte, de clima desfavorável ao plantio da cana de açúcar também se mostram muito interessados e predispostos a comprar a produção do ouro branco que vem dos trópicos.
A doçaria ganha, inclusive, com as cortes francesas dos Bourbons, status de arte e espaço certo nas refeições como o fecho dourado dos encontros entre aristocratas na transição do mundo feudal dominado pela nobreza para o mundo burguês pós-revolucionário. Herdeira do poder político, a burguesia também se apodera dos modos e maneiras de seus antecessores de sangue azul nos hábitos à mesa. Entre essas tradições encontra-se a deliciosa e doce sobremesa e seus encantos derivados do açúcar...
João Luís de Almeida Machado
REFERÊNCIAS
ALGRANTI, Márcia. Pequeno Dicionário da Gula. Rio de Janeiro: Record, 2000.

CASCUDO, Luís da Câmara. História da Alimentação no Brasil. 3ª ed. São Paulo: Global, 2004.
FREYRE, Gilberto. Açúcar: Uma sociologia do doce, com receitas de bolos e doces do Nordeste do Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1997.
GOMENSORO, Maria Lúcia. Pequeno Dicionário de Gastronomia. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999.
LANG, Jennifer Harvey. The Larrouse Gastronomique. Nova Iorque, EUA: Crown Publishers Inc, 1998.
LAURIOUX, Bruno. Cozinhas medievais (séculos XIV e XV). In: FLANDRIN, Jean- Louis; MONTANARI, Massimo. História da Alimentação. 2ª ed. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.
LEMPS, Alain Huetz. As bebidas coloniais e a rápida expansão do açúcar. In: FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo. História da Alimentação. 2ª ed. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.
RIERA-MELIS, Antoni. Sociedade feudal e alimentação (séculos XII-XIII). In: FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo. História da Alimentação. 2ª ed. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.
ROSENBERGER, Bernard. A cozinha árabe e sua contribuição à cozinha européia. In: FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo. História da Alimentação. 2ª ed. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.

Fonte: artigocientifico.uol.com.br

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